terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Os que seguem sozinhos

"Na Procura", óleo sobre tela do final da década de 1980 (Marise Jalowitzki/ Arquivo Pessoal)




Tu já viu que tu sempre pinta dois? Um casal? Seja de pessoas, aves, plantas, árvores, flores?

Sim, eu notei, depois de certo tempo, e percebi que era uma projeção de como eu acreditava que a vida devesse ser: dois, iniciando uma família, com amor o tempo todo, compreensão, entendimento. Harmonia. Boa convivência.

Sim, eu sempre ansiei por isto em minha vida, já que optei, desde pequenininha, pelo lado romântico das diferentes visões de vida.

Quis tanto. E quis, especialmente, porque não vi isto em minha casa de nascença. Éramos todos tão lindos, todos saudáveis, todos queridos, como o amor não conseguiu se mostrar em sua melhor forma, concedendo respeito ao longo da compartilhada caminhada?

Houve momentos, sim, de harmonia e alegria, mas eram bem menos frequentes. Lembro muito dos desentendimentos e brigas, os xingamentos, os castigos e até mesmo as agressões físicas (do pai na mãe, depois que se tornou alcoólatra), da mãe em nós (filhos) e, algumas vezes, entre os irmãos mais velhos.

Meu sentimento infantil, que nunca cresceu neste aspecto, nunca entendeu porque as relações tinham de ser assim, tantas vezes belicosas.
Deus! Era o paraíso nas pouquíssimas vezes que sorrimos muito, que rimos juntos, seja por achar uma coisa engraçada, seja por bendizer o dia que tivemos, a mesa com comida farta e todos os oito a seu redor.

Até hoje não sei de quem foi a iniciativa em adquirir a revista Princesinha, só sei que ela aparecia em casa e eu adorava. Mostrava uma vida de princesa, verdadeiro conto de fadas, onde tudo era lindo, possível e atingível. Tinham muitas revistas em casa: a Alterosa, também, a Manchete, depois um irmão se aficcionou por Flash Gordon e outros, a mana mais velha por Contigo e Capricho - que eu nunca curti muito, mesmo depois, com mais idade - e os livros, muitos livros. 

Tínhamos até uma biblioteca para os sócios-de-carteirinha (vou comentar isto em outro post).

Sim, eu quis muito viver uma vida amorosamente plena! Ou quase isso.

Mais tarde, quando comecei a perceber que adentrava na idade de fazer as minhas escolhas, decidi que não iria ficar em uma relação tóxica. Mesmo amando – como sempre senti que meu pai e mãe se amavam, um sentimento bem doentio, mas se amavam – caso não desse certo, eu iria continuar procurando. Até encontrar.

Não encontrei. Mesmo tendo tentado.

Depois de algumas décadas, percebi que estava mudando meu foco em meus óleos sobre telas. Ou eram paisagens amplas, muitas, muitas pessoas, sem rosto definido. Ou era uma árvore apenas, uma flor, um pessegueiro, uma palmeira. E um Don Quijote. Almejando quimeras, vivendo em um mundo só seu, incompreendido. Mas ele (Don Quijote de La Mancha) não desistiu.

Como foco e objetivo de vida, acabei escolhendo me dedicar aos grupos de desenvolvimento humano, muitas, muitas pessoas, sem que gravasse os nomes, já que os encontros eram em periodicidades definidas.

Praticamente abandonei a pintura, mas continuo acreditando que um bom início na vida amorosa, com um parceiro bacana, deixa tudo mais fácil e leve.

Hoje sei, também, que estou bem fora de moda, pois as relações costumam ser, na maioria, cada vez mais superficiais, quando não vazias. Muitas pessoas, quando muito, se apaixonam – relação dominantemente caracterizada pelo desejo sexual. Senão, elas apenas 'ficam', uma noite, e deu.

Mas amor, aquele que eu idealizei, cada vez mais difícil, escasso e raro.

Poderíamos ser uma espécie tão agradável neste planeta! Realizar tantas coisas boas! Mas, não, a maioria prefere apenas cultivar seu ego, ainda que para isso tenha de destruir, obstruir, desprezar quem quer que seja, quaisquer que sejam os ideais e projetos.

Heroicamente, tento ainda fazer o meu melhor. Que, pelo menos, significa incomodar o menos possível os outros. Chegar só quando sentir que sou aguardada e sair sempre que sentir que incomodo. Creio que faço uma coisa importante.

Parabéns, Marise!

Sei que existem alguns poucos que sentem igual. E é pra estes que escrevo neste momento. E digo: Não desistam! Não é que digo para continuar procurando. Não, pois há um tempo para recolher as mãos e apenas agradecer.

Digo ‘não desista’ no sentido de ‘não desanime’. Não é por estar sozinho que vá pensar em besteiras, como entupir-se de comprimidos tarjados que, a médio prazo, só deixam pior, ou (pior ainda) pensar em quitar-se a vida. 

Vá passear, caminhe um pouco (como procuro fazer todos os dias), respire outros ares, veja as baratinhas tontas (humanos correndo sempre sem saber ao certo para onde ir, ou o que buscar), querendo sempre e sempre a felicidade, que está tão pertinho... primordialmente dentro de si mesmo.

E delineie teu próprio transcorrer das horas.

“Nunca rompas o silêncio se não é para melhorá-lo.” (Ludwig van Beethoven)


Enquanto escrevo ouço esta pérola: https://www.youtube.com/watch?v=VFeRTANr_sw


Beethoven jovem - Imagem Bethoven - wikiwand - wikipedia


Beethoven(1770 - 1827) perdeu a audição progressivamente ao longo de três décadas (entre os 20 e os 50 anos). Como não nasceu surdo, ele tinha memória auditiva suficiente para compor em sua mente. Caiu em profunda depressão e continuou compondo e executando obras lindas"

Só sinto que ele errou quando rejeitou sua namorada-noiva, à medida que sentia a surdez avançar. Quis libertá-la do que acreditava ser uma prisão. Ele se sentia muito humilhado quando estava em sociedade, por isso permaneceu recluso cada vez mais, compondo sempre, preenchendo a vida solitária. 

Não quis expô-la a isso.

Ela nunca mais se enamorou de ninguém. Talvez tivessem vivido bem, mesmo sem ele escutar.

Ele preferiu dedicar-se aos sons que construía na mente, onde podia expressar-se na plenitude.

 "O resumo de sua obra é a liberdade", observou o crítico alemão Paul Bekker (1882-1937), "a liberdade política, a liberdade artística do indivíduo, sua liberdade de escolha, de credo e a liberdade individual em todos os aspectos da vida". (Wikiwand

Viva aos que fazem! Viva aos que tentam!


Pesquisas e referências:






Link deste post: https://diariodaultimaetapadavida.blogspot.com/2020/02/os-que-seguem-sozinhos.html







Marise Jalowitzki é mãe, avó, sogra, irmã, tia, filha, neta, amiga, cidadã.Também é educadora, escritora, blogueira e colunista. Palestrante Internacional, certificada pelo IFTDO - Institute of Federations of Training and Development, com sede na Virginia-USA. Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas. Criou e coordenou cursos de Formação de Facilitadores - níveis fundamental e master. Coordenou oficinas em congressos, eventos de desenvolvimento humano em instituições nacionais e internacionais, escolas, empresas, grupos de apoio, instituições hospitalares e religiosas por mais de duas décadas.Autora de diversos livros, todos voltados ao desenvolvimento humano. Querendo, veja aqui










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